4 de dez. de 2025
Melhores hospitais
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Para entender o que são as Metas Internacionais de Segurança do Paciente, pense numa situação como esta: dois pacientes com nomes semelhantes recebem medicações em horários próximos. Uma checagem equivocada poderia resultar na administração incorreta de um anticoagulante. Ou seja, um simples erro pontual tem potencial trágico no ambiente hospitalar.
Durante décadas, casos como esse eram tratados como inevitáveis. Apenas entre os anos 1990 e 2000 é que sistemas de saúde passaram a entender que nessas ocorrências havia padrões claros, causas repetitivas e soluções preventivas possíveis.
Foi nesse contexto que surgiu um guia chamado International Patient Safety Goals (IPSG), em português Metas Internacionais de Segurança do Paciente.
Para que servem as Metas Internacionais de Segurança do Paciente?
As seis metas têm o objetivo de estabelecer práticas de cuidado padronizadas, consolidadas por organismos internacionais, mensuráveis e aplicáveis no dia a dia de todos os hospitais do mundo.
Essas metas se tornaram a base da cultura de segurança moderna em saúde ao transformar equívocos do passado em lições aprendidas. Da identificação correta ao uso seguro de medicamentos, da comunicação clara entre setores à prevenção de infecções e quedas, tudo deve ser feito pensando na segurança e no bem-estar dos pacientes.
Esse é um dos elementos de maturidade presentes nos melhores sistemas de saúde do mundo. As metas representam, portanto, a consolidação de práticas desenvolvidas em décadas de investigação sobre como os erros acontecem e podem ser prevenidos.
As seis Metas Internacionais de Segurança do Paciente
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (2019), todos os anos ocorrem mais de 130 milhões de eventos adversos em hospitais de países de baixa e média renda, decorrentes de cuidados inseguros, resultando em 2,6 milhões de mortes.
Para mudar esse cenário é que as metas foram pensadas, uma forma de universalizar práticas simples mas que possam evitar parte desses incidentes. Elas foram publicadas pela primeira vez em 2006 pela Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations (JCAHO), em português Comissão Conjunta de Acreditação de Hospitais, atualmente conhecida pelo nome mais curto The Joint Commission (TJC).
As seis metas são simples, curtas e diretas, e sofreram poucas adaptações ao longo dos anos. São elas:
Meta 1 — Identificar pacientes corretamente (Identify patients correctly)
Historicamente, erros de identificação têm sido responsáveis por muitos eventos adversos: cirurgias realizadas na pessoa errada, coletas de exames trocadas, administração incorreta de medicamentos e transfusões incompatíveis.
Estudos dos anos 1990 mostraram que uma parcela significativa desses incidentes ocorria por falhas aparentemente simples, como pulseiras ilegíveis, pessoas de mesmo nome e sobrenome atendidas no setor, ausência de conferência ativa, por exemplo.
A meta reforça que nenhuma intervenção deve ocorrer sem a conferência de no mínimo dois identificadores, como nome completo e data de nascimento.
Hoje, pulseiras padronizadas, códigos de barras e sistemas eletrônicos de medicação (“beep”) tornaram esse processo mais seguro, mas a checagem ativa feita pela equipe e confirmada pelo paciente continua sendo o elemento essencial de prevenção.
Meta 2 — Melhorar a comunicação efetiva (Improve effective communication)
A comunicação (ou a falta dela) é uma das principais fontes de risco dentro do ambiente hospitalar. Perdas de informação na passagem de plantão, ordens verbais ambíguas, mensagens incompletas por telefone e ausência de registro estruturado foram documentadas como causas diretas de atrasos terapêuticos, duplicidade de exames, erros de prescrição e falhas no acompanhamento clínico.
Essa meta orienta hospitais a adotar métodos estruturados de comunicação (como SBAR), padronizar registros de informações críticas e exigir confirmação em ordens verbais (read-back). O objetivo é transformar a comunicação em um processo rastreável, confiável e replicável.
Meta 3 — Melhorar a segurança de medicamentos de alto risco (Improve the safety of high-alert medications)
Medicamentos de alto risco (opioides, eletrólitos concentrados, insulina, anticoagulantes) têm maior probabilidade de causar dano grave quando administrados incorretamente.
Na década de 2000, a Joint Commission consolidou evidências mostrando que grande parte dos eventos adversos graves estava concentrada nesses fármacos. Doses trocadas, diluições inadequadas, frascos semelhantes, falhas de prescrição ou omissão na reconciliação medicamentosa eram os motivos mais comuns de erro de administração.
A meta promove ações para reduzir esse risco, como:
identificação visual padronizada;
restrição e controle de acesso;
protocolos de dose;
rotulagem clara;
checagem dupla independente;
reconciliação medicamentosa na admissão, transferência e alta.
É uma meta diretamente conectada à farmácia clínica, engenharia de medicamentos e segurança operacional.
Meta 4 — Garantir cirurgia segura (Ensure safe surgery)
Cirurgias realizadas na parte errada do corpo ou no paciente errado, embora raras, geraram repercussão mundial no início dos anos 2000. A análise de incidentes mostrou que essas falhas não ocorriam por imperícia cirúrgica, mas por problemas de processo: marcação inadequada, salas com múltiplos pacientes, comunicação fragmentada e ausência de verificação conjunta da equipe.
A meta estabeleceu o Protocolo Universal de Cirurgia, composto por três pilares:
1. Confirmação pré-procedimento (dados completos, exames, consentimento).
2. Marcação do sítio cirúrgico com participação ativa da equipe e do paciente.
3. Time out (pausa imediata antes da incisão para confirmar paciente, procedimento, lateralidade, materiais e riscos).
Isso torna o centro cirúrgico um ambiente mais previsível, padronizado e colaborativo.
Meta 5 — Reduzir o risco de infecções associadas ao cuidado de saúde (Reduce the risk of health care-associated infections – HAI)
As infecções relacionadas à assistência (IRAS/HAI) representam um dos maiores custos evitáveis da saúde e uma das causas mais comuns de prolongamento de internações, sepse e mortalidade. Ficou provado que práticas simples (como higiene das mãos) tinham impacto direto na sobrevivência dos pacientes.
A meta incentiva medidas com comprovação robusta, como:
adesão à higiene das mãos;
vigilância epidemiológica ativa;
processos seguros de esterilização e limpeza;
rastreabilidade de materiais e dispositivos.
Meta 6 — Reduzir o risco de danos relacionados a quedas (Reduce the risk of patient harm resulting from falls)
Quedas representam um desafio especialmente complexo: envolvem fatores clínicos, estruturais, comportamentais e ambientais. Pacientes idosos, sedados, desorientados, com mobilidade reduzida ou em uso de medicamentos que alteram o estado mental são mais vulneráveis.
Muitos hospitais encaravam quedas como “acidentes inevitáveis”, até que estudos demonstraram padrões repetitivos e previsíveis. Hoje, a prevenção de quedas é um indicador sensível da maturidade da cultura de segurança.
Assim, a meta propõe:
avaliação sistemática de risco de queda na admissão e diariamente;
planos individualizados (meias antiderrapantes, supervisão, leito baixo);
ajuste de medicações que elevam o risco;
adequação do ambiente (iluminação, campainha acessível, barras de apoio);
registro de episódios e análise de causa raiz.
Em um sistema de saúde cada vez mais complexo, as Metas Internacionais de Segurança do Paciente funcionam como um guia para reduzir riscos previsíveis. Quando aplicadas com disciplina, elas transformam rotinas e procedimentos em barreiras reais contra danos evitáveis. Essa é uma cultura que ajuda a proteger o mais importante: a vida das pessoas.


