16 de out. de 2025
Rivio
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Por Ricardo Bueno | jornalista e escritor
Para quem é atento a detalhes, como eu, uma experiência rotineira como a que vivi no dia 15 de outubro expõe algumas dores invisíveis, e desnecessárias, da saúde brasileira.
Todos conhecem os gaps mais comuns e falados, como as filas em postos ou hospitais, longas esperas por atendimento, cirurgias ou internação e a falta de médicos em algumas especialidades. Não costuma ser assunto, porém, o desperdício de pessoas, de recursos, de energia e de papel, os quais geram uma erosão financeira nem sempre perceptível ao sistema. Dores que abrem portas à automação de hospitais e clínicas, permitindo a chegada da inteligência artificial.
De início, tudo tranquilo
Algumas semanas atrás, a médica que me acompanha na Unidade Básica de Saúde localizada mais perto de minha casa, na zona sul de Porto Alegre, solicitou uma mamografia devido a dores que manifestei na região do mamilo esquerdo. Feito o exame, tudo levava a crer que não havia nada com que se preocupar.
Como a imagem não era conclusiva, recebi a indicação complementar de uma ecografia bilateral, mais detalhada e minuciosa, a fim de eliminarmos quaisquer dúvidas. Pelo SUS, provavelmente o exame solicitado seria demorado.
Decidi, então, recorrer a uma clínica particular.
Inicialmente, fiz uma rápida pesquisa sobre locais de melhor acessibilidade para cadeirantes, pois sou o que chamo de #neoPCD, em razão da Síndrome Pós-Pólio, diagnosticada há cerca de três anos. Entrei em contato via whatsapp com a clínica privada. A agenda foi marcada e a confirmação do exame veio 48 horas antes.
Desperdício de recursos
Prevendo demoras com eventuais burocracias e cadastros, minha mulher e eu nos dirigimos à clínica, localizada dentro de um hospital, com quase uma hora de antecedência. Depois de nos identificarmos no térreo, subimos ao 2º andar. Tiramos uma ficha, aguardamos breves minutos e, logo no início do atendimento, o funcionário da clínica fez uma cópia da prescrição médica, documento que deveria ocupar não mais do que metade de uma folha tamanho A4. A imagem da solicitação, a propósito, já havia sido enviada por whatsapp por ocasião do agendamento. Era para estar no sistema – mas não estava.
O jovem funcionário, então, imprimiu outra folha A4, com o número do exame, data, meu nome e data de nascimento, em que no cabeçalho diz “Retire seu exame aqui”. Este conteúdo ocupa apenas 1/3 da folha. Não entendi muito bem para que serve este papel, uma vez que ele me entregou também um outro documento, uma tira de papel de 8cm de largura, etiquetada, onde constam os mesmos dados: número do exame, data, nome e nascimento - apenas com o acréscimo de um código de barras junto ao número do exame e a informação de que o resultado poderia ser retirado em 48 horas. Duplicidade que me pareceu desnecessária.
Desperdício de tempo
Em uma sala próxima, onde fomos orientados a aguardar, lembrei que eu não havia pago o exame. Minha esposa voltou ao guichê, onde o rapaz agradeceu e admitiu que havia esquecido de cobrar. Feito o pagamento, ele entregou o comprovante da operação em outra folha A4, desta vez com a impressão ocupando 1/12 avos do papel. Aumentei minha preocupação com o desperdício de papel e operações que não pareciam ter fim.
Depois de 30 minutos de espera, resolvemos perguntar para uma funcionária que estava próxima se o exame iria demorar, pois havia ultrapassado o horário marcado. Ela explicou que o médico estava em outro procedimento. Quando uma jovem que também aguardava para ser submetida a um exame perguntou se mamografia precisava ser realizada por médico, uma outra funcionária disse que mamografias e outros exames da mesma modalidade eram, na verdade, realizados em outra sala...
Em vez de ser atendido às 8h20min, como estava agendado, fui chamado às 10h10min. Tanto eu quanto a jovem que aguardava ao meu lado tivemos de ser encaixados na fila dos demais, na sala correta, um atraso retardando o outro. Perdi uma manhã inteira de trabalho em razão da falta de processos e da visível confusão operacional da clínica.
Como a IA pode ajudar
Como trabalho com empresas de IA e vejo na minha rotina os avanços da tecnologia, fiz questão de contabilizar a quantidade de momentos em que a automatização teria proporcionado agilidade a um atendimento simples, reduzindo a perda de tempo tanto de funcionários quanto de pacientes.
Também me chamou a atenção o desperdício de papel em diversas etapas do atendimento e a exposição a erros aos quais os funcionários estão submetidos: se não fosse a nossa honestidade, eu teria feito um exame sem pagar, apesar da contratação dizer o contrário.
Quando leio ou escrevo a respeito dos atributos da tecnologia de IA e do modelo de apoio à gestão de hospitais e clínicas, fico a imaginar o salto de qualidade que vamos dar em uma área tão sensível para o ser humano quanto a da saúde.
Seja bem-vinda, inteligência artificial.
Aliada à inteligência humana, trará inúmeros benefícios, permitirá mais investimentos no que é essencial e poupará tempo e vidas.